O olhar recaía moroso sobre o horizonte. Devagar acompanhava o naufrágio diário da vida. Aproximadamente setenta e duas vezes trezentos e sessenta e cinco naufrágios diários se passaram desde o primeiro dia. Os motores, as velas, não mais funcionavam a contento. Estava à deriva. E a carcaça, desgastada, não aguentaria uma nova tempestade. Talvez nem mesmo sequer o próprio sal da vida. Recaíam, sobre si, olhares morosos daqueles que seguiam nos botes salva-vidas. Não lamentava. Havia visto muitos naufrágios. De rompante. Ou lentamente. Todo capitão afundava, naufragava, com sua velha carcaça, seu velho navio. Alguns em botes, protonavios frágeis demais para compreender a natureza avassaladora do mar. Fitava bem o horizonte. As tão várias cores que pintavam aquela tarde, eram tão iguais, tão tediosas, que não lamentava o porvir. A calmaria talvez fosse o pior. Uma ironia com a vida que levara, tão cheia de tempestades e ventos fortes. Agora, apenas uma eternidade de segundos que não acabava. A morosidade do entardecer. Eterno. Enquanto afundava.