novembro 2013


a gente vai contando os passos
incansáveis, até o próximo
próximo passo, próximo abraço,
próximo encontro

a gente vai fluindo, levemente,
através dos dias, do tempo
a gente passa, nuvem, água,
requentando o caldo

a gente transita, espiral,
buscando novamente o sorriso,
o riso, e o velho laço
ainda atado à distância

a gente cansa, a gente esquece,
cede ao tempo, cede à gravidade,
perde a esperança, perde o fio,
o nascimento e a morte

mas a gente ainda insiste,
constrói um barco, enfrenta a maré
sobe a correnteza, busca ventos,
rema, rema e rema

somos, sempre, essa força,
fugindo à solidão, buscando as origens
volta e meia, volvendo ao passado
ao seio, à amizade fugidia

só há uma dívida que vale a pena
que é a de reencontrar velhos braços
é a que se tem prazer em pagar
e o troco sempre vem em dobro

Acordei angustiado com o violento desferir sonoro do despertador. O som de milhares de pés pisavam as ruas, as calçadas. Era uma marcha, era uma marcha! Não era o despertador. Levantei, ansioso, era um bloco de carnaval, uma procissão, ou o povo a fazer a revolução? Corri para a janela, milhares de cabeças passavam. Precipitei-me à porta, larguei-me na calçada, tentei interpelar um, dois, três, ninguém ouvia, ninguém respondia. Fui acompanhando a grande massa, perplexo. Mais e mais pessoas se amontoavam, seguiam em direção à praça, à grande praça, palco de tantas manifestações. Era o povo agigantado, o povo esperançado, era o novo alvorecer. A aurora da Estrela Radiosa. A ansiedade alvoroçava meu peito, me impedia de raciocinar direito. Os olhos pouco enxergavam. A praça, cada vez mais próxima. Embora não percebesse o fim ou o início da multidão, bem sabia que a praça era o ponto final. A um grito uníssono, o grande prédio iria desabar, as máscaras seriam depostas no chão. A tirania oligarca chegaria ao fim. Aguardei ansioso, fui chegando mais próximo. Começava a enxergar homens amarrados, homens ajoelhados no chão. Enxergava ao longe um palanque, um palanque de madeira. O povo urrava, o povo pedia, o povo gritava, o povo ensandecido. Uma corda, um laço. Um pescoço, uma camisa vermelha. Uma camisa vermelha, um símbolo. Alguém lia uma declaração. Acusações. Várias acusações. O crime? Exigir mudanças. Lutar por mudanças. A sentença? A morte, por traição. Traição a quem? Ninguém se questionava. O povo urrava, o povo pedia, o povo gritava, o povo ensandecido. O chão cedia, o corpo despencava, a multidão se calava, a esperança emudecia.

cada jardim é uma guerra,
é flor brigando com flor
pela preferência
de um passante beija-flor

é espinho, é ferroada,
insetos e larvas,
perfurando a terra,
rasgando folhas,
construindo fortes,
montando guarda

são armadilhas
de aranhas e flores
chamando para a morte
camufladas ou cheias de cor

cada jardim é uma beleza
para quem arranca uma flor
até que no peito
reste apenas a dor