agosto 2012


Mirava displicentemente a janela de seu quarto, entre rascunhos desenhados e o relatório incompleto brilhando na tela. Os pensamentos seguiam uma torrente confusa. O olhar, estúpido, letárgico, opunha-se à confusão que lhe atormentava. Em poucos dias deixaria sua cidade novamente. Quando fez isso, de início, parecia ter certeza do que desejava. Seus sonhos, de alguma forma, estariam ali, naquela decisão tomada. Guardados em um saquinho, cuidadosamente amarrado e disposto num canto da mala. Agora, questionava-se novamente sobre os acontecimentos. Os primeiros meses não foram fáceis, mas tinha maturidade suficiente para saber difícil os primeiros passos em um novo caminho. Aceitara as dificuldades e metera-se a se adaptar. Por que, então, agora, após todo esse processo, voltara a se questionar sobre sua decisão? Teria sido acertada? Uma bela borboleta pousou serenamente em uma folha, disposta em um galho defronte à janela. Isso a tirou, por um momento, de seus pensamentos. Poucos segundos depois, um bem-te-vi, certeiro, tomava em seus bicos a borboleta.

a noite é mulher rendeira
de tanto chorar amor perdido
foi mandada aos céus

ofício de cobrir as dores
aproveitando o fio de esperança
que resta n’alma dos desamparados

de tanto ofício, tantas noites
remenda o coração dos aflitos
e liga o dos apaixonados

é que nem sempre se encontra o velho fio
nem sempre se refaz a mesma renda

mas, oh, mulher rendeira
és tu deslumbrante, lua cheia
és tu recolhida, lua nova

Tanta gente que morre ali, esquecida
Saco de sonhos, perdido no mar
Atirado sobre pedras
Ou simplesmente largado em enseada deserta

Tanta gente que iluminava
Afagava, aquecia, que muito queria
Abandonada à seca
Mingua com o luar do sertão

a gente quer muita coisa
toda essa gente
quer muita coisa
tão diferente
de toda a gente

teu abraço, teu sorriso
é tudo que preciso
pra esquecer
toda essa dor
esse amargor
que carrego no peito
é, amor… é isso que preciso
mas se tu não der
se tu não quiser
ah, amor
esquina não falta na vida
pra achar um novo amor

aprendi tudo errado
dos anos que passaram
não tem volta
e nem caminho certo
em uma estrada
que já levou ao nada

busco sinais

se há um inferno
ele não me espera
em uma próxima vida
a morte
é o fim da penitência

Há caminhos e descaminhos. Descaminha-se como se desembaraça um novelo, um conjunto confuso de fios, que já não é possível desenrolar. Cada insistência, cada puxão, só gera nós e mais nós intrincados. Descaminha-se. Volta-se a um ponto de compreensão, a um local reconhecido, seguro, onde possa se começar novamente, por outro caminho. O tempo perdido não volta. Erros não são corrigidos. Por vezes, dolorosamente, admitem-se fraquezas, abandonam-se promessas, descartam-se esperanças. Mas encontra-se um novo caminho. Novos odores, novas cores, novas formas, novos sons. Novas palpitações, novos tremores, novas excitações.
Descaminhar-se caminhando para dentro de si, voltar-se no emaranhado que é nossas vidas, a um ponto que ficou, há muito, incompreendido. E dar-se a chance de trilhar um novo caminho.

Pois que chova toda essa água que quer cair. Caia com força. Lave ruas e campos. Que as nuvens se esbaldem no seu pranto melancólico e colérico. Amanhã colho os frutos e me banho ao sol.

A boca ostentava fulgor vermelho
O olhar bailava no salão
Emanava alegria nos seus movimentos
Arrancava famintos comentários ao redor
Por dentro, corroía-se a alma
Vazia de sentido
Temor de apagar-se.

Ele acorda uma vez ao ano
E dá uma olhada pela fresta
Se é Sol, ofusca-lhe a visão
Se é chuva, espicaça-lhe a alma
Encolhe-se e volve-se
Para mais um período hibernal

* em resposta a essa figura http://on.fb.me/P8WJHo