janeiro 2012


E esse desejo de ser o que não é
De ser o outro, que está lá
Do outro lado da janela
Do outro lado da tela?

E esses sonhos
E esse deliciar-se com letra morta
A poesia nauseabunda
Que te faz brilhar os olhos
Onde te levará?

A música te inebria
Te guia os passos – trôpegos
Em direção a quê?
Qual a liberdade do teu caminho?

A noite pulsava nervosa
Não sabia bem por quê
Madrugada corria ansiosa
Não sabia bem pra onde

No rebentar da minha voz
Um grito mudo

O menino achava que o mundo era do tamanho da sua casa e de seu quintal. Miúdo, no colo de sua mãe. Aquilo tudo era o mundo. O menino achava que o mundo ia até a rua vizinha, onde moravam seus tios e seus primos. Era uma rua pequena, de barro. O menino achava que o mundo ia somente até onde seus avós moravam. Contando ruas, passavam-se umas oito até chegar lá, nesse mundo mais mundo, limite do mundo: a casa de seus avós. O menino achava que o mundo ia até sua escola, no bairro vizinho, treze ruas e duas praças no caminho. O menino achava que o mundo ia até o que disseram ser uma outra cidade, ali do lado, uma hora rodando de carro, até chegar no sítio de uns amigos de seus pais. Era um “mundo mais mundo”, concordava ele, respirando fundo, com orgulho. Um “mundo mais mundo”. O menino, já agora não tão menino, começava a aprender geografia, e já sabia que o mundo era redondo, e ia bem mais além de onde ele podia ver, no horizonte. O mundo era mundo. O menino, já não tão menino, começava a compreender que o mundo nem sempre foi mundo. E que o mundo não nasceu com o menino. O menino, não tão menino, começara a aprender história, começava a compreender que para além do mundo, para além do horizonte, havia muito mais mundos, mundos dentro do mundo, que nem sempre foi mundo, nem sempre foram mundos. O menino, não mais menino, começara a estudar sociologia e filosofia, e a compreender que cada indivíduo guardava dentro de si um mundo, e que esses mundos se juntavam para formar novos mundos, e que dentro de si havia um mundo. Um importante mundo. O menino, que já não era mais um menino, já não conseguia mais enxergar um mundo, enxergava um sistema de mundos, um universo de mundos, que ultrapassava o físico, traspassava o tempo. O menino, já não mais menino, compreendeu, pela primeira vez, que nunca poderia compreender todo o complexo sistema em que vive, toda a complexa teia de eventos que o trouxe aqui e que, da mesma forma, o extinguirá. Compreendeu tudo isso com orgulho. E sem medo.

Não exagere
Que o vento está aí há bilhões de anos
E o Sol não te enxerga no teu efêmero tempo
A terra não te sentirá o passo
Nesse espaço-tempo infinito
Teu pó não é nada
Embora tenha vindo de tudo
– do todo
Não exagere
Que teu tempo é vazio
É pequeno, é curto
Não cabe teu passo além do horizonte
Não te passam dias além da tua morte
Não exagere
Que tua letra é pequena
Tua palavra é curta
Tua voz é um sussurro

Resistia ao banho. O tempo escorria, mesmo com o relógio da cozinha parado há mais de um mês – por sua preguiça de trocar a pilha -, o tempo escorria. O relógio da mesinha não parava, indicando a todo instante a hora que seguia. Levantou-se a custo e se arrastou até o chuveiro. Pacientemente se molhou, abriu o xampu – vazio. Raspou todo o restinho que tinha e esfregou o cabelo, barbeou-se com calma e paciência. O ânimo voltava pouco a pouco. Pensou porque resistiu tanto ao banho, perdendo tanto tempo. Verificou a cara no espelho. Tudo em ordem, os mesmos defeitos de sempre. A barba rala e malformada, raspada. Ajeitou o cabelo e pôs-se a pensar na hora que deveria sair. O tempo continuava passando. Sentou-se a ver o jornal, esperando o tempo passar. Tomou um café. A ansiedade lhe tomava. “Não sei para que insisto nesse eventos pra cumprir formalidades. Para que as pessoas fazem isso? Os momentos intimistas são muito mais importantes e os perdemos em prol dessas superficialidades…” – pensava, irritado. Olhou para a pilha de livros que deveria ler durante a semana. Pensou que nada fazia sentido, nem os livros, nem as formalidades, nem os momentos intimistas. Afundou-se no sofá. Soltou um muxoxo. Ainda havia muito tempo até a hora de sair. Percebeu que o evento era demasiado tarde. Pensou bastante sobre o significado daquilo tudo. Formalidades, formalidades, formalidades. Cumprir tabela. Ocupar lugar em uma cadeira. Esboçar sorrisos forçados. “Por que não algo mais tranquilo? Onde se possa conversar em paz e devanear sobre a importância dos astros na criação dos mitos? Sobre as surpresas da natureza ou as aspirações humanas por poder e poesia?” – já frustrado e chateado, olhava para os filmes na estante. Quisera ir ao cinema e desistira para não se atrasar. Mas e agora? Um momento para si, vendo um bom filme, sincero consigo mesmo, seria mais importante que um momento de trocas superficiais de cumprimentos? Levantou-se, passeou a vista pela estante, pelos diversos filmes que ainda não vira, estendeu a mão… Já não havia mais formalidades ou sorrisos forçados, a noite se esvairia pelos olhos de outros e por cidades e tempos distantes.